Sobre o movimento Slow Food

Por Érika Soares

O pensamento taoísta prega que os indivíduos devem viver de acordo com o ciclo das estações, fator indispensável para estar em harmonia com as forças que regem o universo, gozar de saúde e alcançar a longevidade.  Durante muitos séculos os homens viveram dessa forma, aproveitando-se daquilo que encontravam na natureza para se alimentar, usando ervas e especiarias para realçar seu sabor.

No entanto, nos dias atuais a situação é inversa. O ponto de partida é o sabor que se deseja obter, o resto é relativo.  Para fazer o contraponto a essa maneira de alimentar-se, foi criado em 1989 uma associação internacional denominada Slow Food que possui princípios para uma nova gastronomia com características semelhantes às da Escola de Lao-Tsé, que enfatizava a simplicidade e o retorno à natureza, com ingestão dos alimentos oferecidos pelo ciclo sazonal.

O movimento visa a educação do gosto e a biodiversidade alimentar. Para isso, é composto por diversos atores da sociedade, como historiadores, consumidores, produtores, jornalistas, representantes dos poderes públicos, e organizações como universidades e institutos de pesquisa, que produzem trabalhos científicos que possam embasar a defesa da boa comida, dos produtos originais e de qualidade.

A pressa que assola a humanidade nos dias atuais e fez com que antigos hábitos e prazeres – como o ato de sentar-se à mesa para apreciar a boa refeição junto à família e os amigos – fossem colocados de lado pode ser considerado um dos motivos para a criação deste movimento.

Liderado pelo gastrônomo e sociólogo italiano Carlo Petrini em 1986, o Slow Food queria resgatar a essência do convívio à mesa, de comer e beber devagar, preservar as tradições de receitas e ingredientes regionais que se perderam com a globalização.

A página na internet da associação, que possui mais de 100 mil sócios em todo o mundo, é enfática ao justificar sua criação: “Uma resposta aos efeitos padronizantes do fast food; ao ritmo frenético da vida atual; ao desaparecimento das tradições culinárias regionais; ao decrescente interesse das pessoas na sua alimentação, na procedência e sabor dos alimentos e em como nossa escolha alimentar pode afetar o mundo. ”

A partir da iniciativa, os adeptos criaram o conceito de ecogastronomia, entendido como a atitude capaz de combinar o respeito e interesse na cultura enogastronômica, preservar o gosto dos alimentos, levando em conta o cultivo e a valorização dos produtos locais no processo de elaboração dos pratos.

A associação propõe em seu manifesto – rebelião contra o empobrecimento do sabor – a redescoberta de aromas e gostos da cozinha regional e a eliminação dos efeitos degradantes do fast food. Também apóia um novo modelo de agricultura, que é menos intensivo e mais saudável e sustentável, com base no conhecimento das comunidades locais.

O Slow Food prega que a ciência dos camponeses, das comunidades produtoras, dos pescadores e dos cozinheiros tem tanta dignidade quanto as nobres disciplinas acadêmicas – um campo do saber humano que alguns denominaram cultura imaterial – não devendo ser negligenciada.

Petrini define o movimento como aquele que busca a qualidade na alimentação com base em três valores: bom, limpo e justo, que são considerados os eixos do saber gastronômico. O alimento deve ter bom sabor; deve ser cultivado de maneira limpa, sem prejuízos à saúde, ao meio ambiente e aos animais; e os produtores devem receber o que é justo pelo seu trabalho.

Não precisamos acumular mais riquezas, mas efetuar sua distribuição; não precisamos de um sistema alimentício global cada vez mais padronizado, mas um baseado na diversidade das culturas e lugares, e na qualidade que podem expressar.

O Slow Food defende ainda a forma artesanal de produção dos alimentos e o respeito aos animais no processo de sua criação e abate para o consumo, o que tornou-se incomum nos dias atuais. Franco (2001) cita uma experiência feita com porcos para acelerar e aumentar a produtividade das criações de suínos, que deve ser considerada condenável se levados em consideração os princípios do movimento. Por meio de uma vacina geradora de fome, que também inibe a saciedade no organismo, o animal passa a comer desmesuradamente, fazendo-o engordar com mais rapidez para ser abatido antes do tempo normal.

No Brasil, o movimento deu um grande passo em direção à defesa da alimentação saudável e com justiça social no ano de 2004, quando a Fundação Slow Food para Biodiversidade assinou um acordo de cooperação internacional com o Ministério do Desenvolvimento Agrário brasileiro. O objetivo é desenvolver projetos no país no sentido de dar apoio a pequenos produtores e artesãos e valorizar os alimentos típicos brasileiros.

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Referências Bibliográficas:

– FREIXA, Dolores; CHAVES, Guta. Gastronomia no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009.

– PETRINI, Carlo. Slow Food: princípios da nova gastronomia. São Paulo: Editora Senac, 2009.

– SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa. Curitiba: Editora UFPR, 2005.