O ato de alimentar-se é inerente ao ser humano, já que é intrínseco à sua sobrevivência. Por este motivo, toda história da humanidade é acompanhada por registros relacionados aos hábitos e às tradições alimentares, que auxiliam a compor as culturas dos povos, iniciados antes mesmo da descoberta do fogo no Período Paleolítico.
Por Érika Soares
A busca por comida e pela melhor forma de ingeri-la, levou o homo sapiens a desenvolver utensílios de pedra e de barro para destrinchar e armazenar os alimentos, o que promoveu alterações significativas na sociedade pré-histórica a ponto de propiciar o início das civilizações.
Juntamente à necessidade de suprir carências nutricionais, o homem, como um ser social, buscou reunir-se em grupos. A caça de grandes animais foi um dos fatores que forçou essa associação, tanto para o abate da presa como para seu consumo. Teria nascido assim, a hospitalidade à mesa.
O desenvolvimento de costumes, crenças, arte e normas para reger a vida em comunidade foram consequências, desencadeadas a partir dessa nova maneira de viver. Ao mesmo tempo, a cozinha evoluía por meio da mistura de ingredientes e técnicas, que levavam em consideração regras morais e religiosas, aspectos geográficos, políticos e sociais.
De acordo com Câmara Cascudo (1), de todos os atos naturais, o da alimentação foi o único que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em expressão de sociabilidade, ritual político, aparato de alta etiqueta. Ele transforma o consumo do alimento em uma necessidade cultural, usando o ato de comer como um veículo para relacionamentos sociais.
A evolução no modo alimentar aliada ao ato de compartilhar as refeições compõe um dos princípios básicos da gastronomia, que segundo Brillat-Savarin (2), governa a vida inteira do homem.
Origem do termo
A palavra gastronomia, que significa Lei do Estômago ou Lei do Ventre e está relacionada aos relatos e conselhos sobre a cultura da alimentação, foi criada no berço dos filósofos e do conhecimento ocidental pelo grego Arkhestratus (384 – 322 a.C.) e fez emergir o sentimento ligado ao prazer de comer. Nesse período era comum a realização de Symposium que tinha por objetivos alimentar o espírito (com discussões intelectuais e transmissão de conhecimentos) e o corpo (com os melhores quitutes). (3)
O verbete gastrônomo, no entanto, foi inserido no dicionário francês apenas em 1835 com a seguinte explicação: anfitriões que escolhem, ordenam e oferecem uma mesa ricamente preparada. (4)
A extensa literatura sobre o tema atribui definições diversas para o termo gastronomia. Para Brillat-Savarin (2) é o conhecimento fundamentado de tudo que se refere ao homem na medida em que ele se alimenta, cujo objetivo é zelar pela restauração dos homens. Já Petrini considera que trata-se de um conjunto de regras necessárias para escolher e consumir pratos satisfatórios ao estômago. Leal (5) define gastronomia como o ato de preparar iguarias, tornando-as mais digestivas, de modo a obter o maior prazer possível. E Câmara Cascudo (1) afirma que gastronomia é a ciência do saber comer.
Brillat-Savarin relaciona a gastronomia a diversos setores da ciência: à história natural, por conta da classificação das substâncias alimentares; à física, pelo exame de seus componentes e de suas qualidades; e à química, pelas diversas análises e decomposições a que submete tais substâncias.
No artigo A epistemologia da Gastronomia, João Luiz A. Machado, diz que “as misturas e sabores perseguidos pelos cozinheiros fizeram com que primeiras transformações químicas fossem observadas e consideradas como etapas de uma transformação mágica que nos legava sopas, caldos, cozidos, assados, pães, bebidas”.
A gastronomia sempre acrescentará ao homem conhecimentos culturais e, consequentemente, o status social e a capacidade de convivência e relacionamento com a sociedade. Esses conhecimentos são os saberes e sabores – passados de geração em geração – que fazem ou fizeram parte dos hábitos alimentares de uma localidade, dentro de um processo histórico-cultural. (6)
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(1) Luís da Câmara Cascudo. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004. 3ª edição.
(2) Jean-Anthelme Brillat Savarin, em Fisiologia do Gosto. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
(3) Dolores Freixa e Guta Chaves. Gastronomia no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009.
(4) Carlo Petrini. Slow Food. Princípios para uma nova gastronomia.São Paulo: Editora Senac, 2009.
(5) Maria Leonor Macedo Soares Leal. A história da Gastronomia. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2006.
(6) Silvana Graudenz Muller e Francisco Antonio Pereira Fialho.A preservação dos saberes, sabores e fazeres da gastronomia tradicional no Brasil. Florianópolis: Revista Travessias, Ed. XI, 2011.
1 Reply to "A gastronomia e sua história"
Para celebrar o dia da gastronomia! | Entre Sabores 11 de novembro de 2013 (08:08)
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