Coxinhas: de onde vieram?

*Por Sandra Mian

Quando a gente para pra pensar direitinho, coxinha é parente dos … croquetes! Aliás, muitíssimas vezes são servidos lado a lado. Outras vezes é um banquete de “salgadinhos”: coxinha, croquete, bolinha de queijo e risole de palmito (ou queijo). Claro que aparecem também as empadinhas, mas essas são assadas e deixaremos a conversinha sobre elas pra uma próxima postagem. Notem o detalhe entre os demais “salgadinhos”: são fritos e são todos pequeninos! Eu não posso afirmar assim como que um dia vou morrer ou que todos vão pagar impostos, mas minha intuição me diz que todos têm uma origem comum: os risoles e croquetes!

Na Roma antiga havia uns bolinhos fritos que no latim vulgar eram chamados de “russeola”, abreviação de “pasta russeola”. Um dos primeiros livros de culinária do mundo, da Roma Antiga, escrito por um tal Apicius (na verdade parece que foram vários autores, tipo do Dona Benta que não foi Dona Benta nenhuma quem escreveu, mas que tinha a mão do Lobato por trás), tem uma receita de “russeola” de pavão (eles comiam pavão naquela época). Eram uns bolinhos de carne, fritos. Ou seja, eram um tipo de croquete. Os risoles aparecem também num livro famosíssimo inglês, The Forme of Cury, do século 14. E nesse livro se vê que um rissole podia ser feito também com peixe ou verduras.

Mas foi na França que os risoles e croquetes ganharam realmente fama … e nome! Eram diferentes dos croquetes no seguinte ponto: neles o recheio de carnes (ou outra coisa) era colocado dentro de uma massa folhada e assados. Os croquetes, por outro lado, eram a carne (ou outra coisa) picadinha e misturada com um molho branco, bem grosso, moldada e empanada e depois frita. Ou seja, vemos aí exatamente nossos risoles e croquetes, só que agora em geral são fritos. Ao invés da massa folhada e assada, passou-se a ser feita uma massa que lembra bem um molho branco, só que bem dura, e com ela se “envolve” o recheio.

Há uma receita de risole de frango em um livro francês de 1828, de um tal Louis Eustache Ude, aonde descreve um tipo de croquete de frango que poderia ser moldado no formato de uma bolinha ou pera! Formato de pera é exatamente o formato da nossa coxinha de galinha, não é mesmo? Esses croquetes ou risoles de frango em formato de pera eram chamados “rissoles à du Bari” (era comum dar nomes de nobres ou de gente famosa pros pratos).

Num outro livro, famosíssimo, o Directions for Cookery in its Various Branches da ainda mais famosa Miss [Eliza] Leslie, de 1849, a Miss Eliza dá uma receita para “chicken croquettes and rissoles”. Um “recheio de frango” era transformado numa pasta e misturado com gema de ovo até ficar na consistência de enrolar. Então era moldado no formato de perinhas, empanado e frito. Um cravinho da índia era colocado como se fosse o cabinho para enfeitar antes de servir. Devem ficar lindos! E cheirosos! Mas o que conta é que o formato é muito parecido com as nossas atuais coxinhas de galinha.

Com o tempo os croquetes em geral começaram a ser feitos misturando-se um molho branco bem grosso com o “recheio” escolhido e os de frango não eram diferentes. E cada país passou a fazer suas variedades.

Mas porque então as nossas coxinhas passaram a ser chamadas de coxinhas e não de croquetes de frango?

Eu tenho cá uma impressão que essa coisa de chamar esse tipo de croquete – ou melhor, risole de frango – de coxinha de galinha é coisa de Português. Acho que alguns de vocês já viram ou ouviram falar que as “coxinhas de antigamente” eram feitas realmente com coxinhas (ou coxa!) de galinha. A galinha era cozida com os ossos e depois de cozida se retirava a pele e ia-se puxando a carne para uma das extremidades dos ossos até a outra ponta do osso ficar bem limpinha. Depois envolvia-se a carne num molho branco bem grosso e se empanava e fritava! Pronto! Coxinhas de galinha! Eu tenho vários livros antigos, tanto de Portugal quanto do Brasil, que descrevem bem essa técnica. Ou seja, essas “coxinhas” nada mais eram que variações sobre o mesmo tema: croquetes e risoles!

A questão é que essas coxinhas com o osso eram bem grandes e uma galinha só rendia 2 coxinhas e 2 coxonas… Acho que foi essa questão prática que fez com que o pessoal pensasse em usar a carne toda, fazer uns rissoles de galinha (com o formato típico da “coxinha”) e depois espetar um osso. Vi esse tipo de receita também. Como também vi fotos num livro do final dos anos 60 com as coxinhas tendo um palito espetado no lugar do osso. Com o tempo o osso desapareceu e o palito também.

Agora, quem é que fez a primeira coxinha puxando a carne do osso e cobrindo com massa, depois espetando o osso e mais tarde o palito, isso só com muita investigação histórica e acho que nem assim a gente encontra o fio da meada. Essas invenções feitas nas cozinhas passam pra história sem a gente saber o inventor. Quantas vezes nós mesmos não fazemos alguma invenção que passamos pra frente e com o tempo, quem sabe, poderão um dia no futuro virar algo assim famoso. Só que o autor ou autora ficaram perdidos no tempo.

Resumo da ópera: pra mim coxinha de galinha é um risole (prima-irmã do croquete) que alguém resolveu moldar no formato de uma perinha e que mais tarde perceberam que era muito parecida com uma coxinha de galinha. Talvez as primeiras fossem só empanadas, sem molho nenhum ao redor. Origem muito provável: Portugal.

* Sandra Mian é criadora do Grupo Comida pra Estar de Bem com a vida no Facebook, espaço onde fala de técnicas, receitas e curiosidades do universo gastronômico. O grupo é aberto! Participe!
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