Agora que, provavelmente, o setor cervejeiro conseguirá respirar mais aliviado após quase três anos de suspensão de eventos e consumo de bebidas nos bares, parece-me que o desafio parece outro. Se antes a adversidade era econômica, ela segue por este caminho. Isso se deve ao aumento no preço dos insumos para a produção da cerveja – malte, cevada e lúpulo, por fatores que muitas vezes fogem à nossa economia local.
Por exemplo, desde o ano passado, a Guerra na Ucrânia causa desconforto por pressionar os preços da cevada e malte. A Rússia é o terceiro maior fornecedor de malte para o Brasil, atrás de Uruguai e Argentina. Todos os valores que sofrem inflação, mesmo que mínimos, têm de ser repassados ao consumidor – e este é um enorme desafio.
Dados de 2019 do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil importou cerca de 671 mil toneladas de grãos de cevada, ocupando o 11º lugar entre os maiores importadores mundiais de cevada. Soma-se a necessidade do país na importação de itens básicos para a produção cervejeira local, consta também a alta do dólar e a queda do poder aquisitivo dos clientes, que acabam recorrendo às cervejas convencionais.
Vide a Ambev, que conseguiu capitalizar trazendo cervejas consideradas premium (as puro malte), além de publicizar e colocar em evidência novas marcas, como a Spaten mesmo durante a pandemia. Além disso, a estrutura da Heineken Brasil segue em crescimento com construção de nova fábrica em Minas Gerais.
De volta às microcervejarias nacionais, a tendência é de recuperação mais nichada e nas grandes capitais – que conseguiram contornar as restrições da pandemia com delivery e pessoal para atender com takeaway via plataformas. Para a Abracerva, é um contraste que irá levar algum tempo para ser nivelado. Apesar do alívio com a retomada de eventos e consumo local, a pressão nos custos é dor de cabeça aos cervejeiros.
Por outro lado…
Há algumas soluções que estão a caminho. Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) começaram a testar em fevereiro último insumos biológicos para acelerar e aumentar a produção do lúpulo brasileiro – quase que em sua totalidade ainda importado de outros países.
O trabalho para alavancar a produção exige experimentos com mudas inoculadas com a bactéria Azospirillum, e os resultados são promissores: um aumento 52% da biomassa da planta em menor tempo. Os primeiros testes foram realizados no Viveiro Ninkasi, em Terezópolis, Rio de Janeiro. A expectativa é que a qualidade da planta siga essas mudanças.
“Nossa perspectiva é obter um bioinsumo que estimule a produção de mudas mais vigorosas, com menor tempo de viveiro e que reflitam em benefícios em relação à produtividade e, quem sabe, até na qualidade sensorial do lúpulo”, explicou à Agência Brasil o pesquisador Gustavo Xavier, da Embrapa Agrobiologia (RJ).
Talvez o caminho para a redução de custos e viabilidade financeira da cerveja artesanal brasileira seja colher do próprio chão. O lúpulo nascido no país, pelo menos, já deixou de ser “miragem” para se tornar realidade.
* Letícia Cruz Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.
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