Por Érika Soares
Comer é um ato cultural, social e cognitivo, pois está relacionado a um dos cinco sentidos, o paladar. Este, que também pode ser denominado gosto, é diferenciado de acordo com as condições sociais, religiosas, econômicas e geográficas de cada ser humano. Dessa forma, por meio dele obtêm-se referências consistentes das tradições e costumes alimentares de um povo.
Segundo a pesquisadora Maria Eunice Maciel (1), ter conhecimento e ter sabor se confundem, porque o gosto é também conhecimento. A própria etimologia dos verbos conduz o raciocínio por esse caminho: sabor e saber, duas palavras originárias do termo latino sapere, que significa justamente “ter gosto”.
Diversos fatores influenciam a formação do gosto alimentar, entre eles está a psicologia (seja individual ou coletiva), concorrendo também os ritos, o valor das mensagens trocadas pelas pessoas à mesa diante da comida, os valores éticos. (2)
Seu significado é tamanho que o homem acaba por revestir o comer – este ato tão primordial à sua sobrevivência – de cerimônias e simbologias, que são representativas de uma localidade, de uma região, que trazem consigo saberes e sabores hereditários, que revelam um processo histórico.
Um bom exemplo disso é encontrado no livro A história da Gastronomia, quando a autora Maria Leonor Macedo Soares Leal refere-se ao período de comoção revolucionária de luta pela Independência do Brasil. “À medida que os ideais de liberdade iam crescendo em nosso país, o copo e o prato se tornavam um símbolo de rebeldia e de conspiração”.
Dessa forma, o modo de alimentação insere os indivíduos num contexto sociocultural que lhe outorgam uma identidade, reafirmada pela memória gustativa. A memória, aliás, é veículo de um dos saberes gastronômicos. Sabores e odores despertam lembranças de períodos esquecidos. Receitas tradicionais, passadas de geração em geração, que narram histórias de uma época, de um povo e de seu paladar característico que foram formados, transformados ou mantidos na experiência cotidiana.
Conhecimento, simbologia, memória. É extensa a bagagem cultural relacionada à alimentação de uma sociedade, que pode ter suas prescrições, proibições, técnicas e, sobretudo, significados, desvendados por meio da análise de um simples prato.
E é assim que a gastronomia revela não apenas sabores, mas também os saberes dos povos.
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(1) MACIEL, Maria Eunice. Cultura e alimentação ou o que têm a ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin? Horizontes Antropológicos. Vol 7. Nº16. Porto Alegre, 2001.
(2) Carlos Roberto Antunes dos Santos. A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa. Curitiba: Editora UFPR, 2005.
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