Especialista na cadeia produtiva do vinho fala sobre a questão climática que faz do Brasil um pequeno produtor e consumidor de uma bebida tão admirada e consumida em vários países e até mesmo por nossos vizinhos, e ressalta a questão do preço e dos impostos que geralmente deixa a maioria dos produtos nacionais com baixa competitividade.
Por André Camarão
Foto: Arquivo Pessoal
Para se ter uma ideia do cenário nacional da cadeia produtiva de vinho, o brasileiro não chega a consumir dois litros da bebida por ano, isto é, nem meia taça da bebida por mês, o que um francês toma por dia. E a preferência é pelo vinho de mesa, cuja a produção chega a 200 milhões de litros por ano. A pesquisadora da Embrapa Semiárido Aline Biasoto confirma que a produção de vinhos finos vem crescendo desde 2003, mas ela ainda perde para o montante de vinhos importados da Argentina, Chile, Portugal, Itália e outros.
A entrevistada do Entre Sabores é formada em Ciências do Alimento pela Eslaq/USP, Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, que fica em Piracicaba, que também se especializou em Gestão da Qualidade e Segurança dos alimentos na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) onde se tornou mestre pela Faculdade de Engenharia de Alimentos. O tema de sua dissertação foi a avaliação do processo de elaboração do vinho tinto de mesa produzido no estado de São Paulo, a qualidade sensorial e a aceitação junto aos consumidores, além da composição físico-química do produto com base nos parâmetros exigidos pelo Ministério da Agricultura (MAPA). Desde 2010 faz parte do quadro de pesquisadores da Embrapa Semiárido, na área de enologia, na cidade de Petrolina, em Pernambuco. Ali ajuda a desenvolver a melhora da qualidade do vinho produzido na região do Vale do São Francisco. Sorva devagar a entrevista com Aline Biasoto e saiba como escolher bons vinhos nacionais.
Para conhecer mais do hábito do consumidor brasileiro o E.S já foi logo inquerindo a pesquisadora sobre a quantidade de vinho consumido pelo brasileiro. E ela apontou um quadro desanimador…
A.B – O consumo médio de vinho do brasileiro é de 1,8L per capita ano, bem inferior ao da cerveja que é de 50 L per capita e ao de países como a França que é em torno de 52 L, ou mesmo comparado aos nossos vizinhos Chile (17,9 L per capita) e Argentina(28,3 L per capita).
Diante desse quadro, isto é, de um consumo inferior ao de uma taça de vinho ao mês, levando-se em conta que este tipo de copo tem capacidade para 240 a 420 ml, o E.S. quis saber que tipo de vinho o consumidor brasileiro aprecia. Pode até ser que a resposta da pesquisadora não seja novidade para a turma estudiosa do assunto, os enófilos, mas com certeza ela surpreende…
A.B. – De modo geral, o vinho mais consumido pelo povo brasileiro ainda é o vinho de mesa suave, aquele tipo “chapinha” ou “sangue de boi”, estes vinhos são elaborados com uvas Americanas e, ou híbridas, que caracterizam-se como uvas mais rústicas e muito mais produtivas, mas ditas como de qualidade inferior. Enquanto a produção desse tipo de vinho no Brasil é superior a 200 milhões de litros ano, a produção de vinhos finos, originários de variedades Vitis vinífera (como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot e etc) gira em torno de 40 milhões de litros, ainda que venha crescendo desde 2003. Entretanto, o nicho de consumidores brasileiros deste tipo de vinho, preferem comprar o vinho importado ao nacional, uma vez que somando-se apenas a quantidade exportada ao Brasil pelos quatro principais países importadores (Chile, Argentina, Itália e Portugal) esta já é superior a 67 milhões de litros.
Se a preferência do brasileiro ainda é pelo vinho de mesa, o E.S. questionou a pesquisadora se haveria algum motivo para que a bebida produzida aqui não fosse bem vista? A pesquisadora e enóloga da Embrapa reconheceu que é preciso melhorar a qualidade da cadeia produtiva, mas apontou outra razão para o baixo consumo…
A.B – Ainda faltam investimentos em pesquisas para o desenvolvimento de tecnologias que melhorem a qualidade da uva no campo e do vinho após processo de elaboração, de qualquer forma nos últimos anos o vinho brasileiro melhorou muito e estamos batalhando para leva-lo a excelência. Mas, a qualidade do vinho brasileiro vem sendo cada vez mais aprimorada, hoje já são produzidos vinhos de excelente qualidade no país, sobretudo na região Sul. Entretanto, um grande entrave para o aumento do consumo do vinho brasileiro, é o preço elevado da bebida, muitas vezes superior ao do vinho estrangeiro. A solução para o aumento do consumo do vinho nacional não é aumentar o preço dos vinhos estrangeiros, mas sim abaixar os impostos e o preço dos vinhos brasileiros. Atualmente, somente pessoas com elevado poder aquisitivo têm condições de consumir vinhos todos os dias no nosso país, hábito que é muito comum na maioria dos países europeus, no entanto, nesses países a população consegue comprar bons vinhos nacionais por 3,00 euros ou até menos que isso. As vinícolas, associações e afins também precisam investir em propaganda incentivando o consumo de vinhos em substituição a cerveja, pois o vinho no país é uma bebida que ainda está muito associada ao consumo somente no período de inverno, em ocasiões especiais e festividades. A elaboração de produtos diferenciados também mostra-se como uma alternativa interessante para estimular o consumo de vinhos, como vinho rose, espumante rose, espumante moscatel, vinho licoroso de colheita tardia, chopp de vinho, vinho frisante em embalagem long neck, vinho em embalagem bag in box dentre outros produtos.
Já que ela entrou no ponto da excelência o E. S. trouxe uma questão que a pesquisadora preferiu evitar, ou seja, a incômoda pergunta sobre a região brasileira que produz o melhor vinho. No entanto, ela deu a dica de como escolher um bom vinho nacional.
A.B. –Bons vinhos vêm sendo produzidos tanto na região Sul, nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e nos estados da Bahia e Pernambuco da região Nordeste. Agora, falar qual vinho é melhor é relativo depende do consumidor. De qualquer forma, regiões vitivinícolas vêm recebendo certificações de indicações de procedência e denominação de origem, fato que estimula as vinícolas a investirem na qualidade de seus vinhos para que recebam o selo que atesta a qualidade do produto. Assim o consumidor que desejar tomar um vinho brasileiro de qualidade garantida basta procurar aquele que contem o selo de indicação de procedência ou denominação de origem.
Em meio ao tema da produção nacional, chegamos num ponto da entrevista em que o E. S. já estava a vontade para arriscar a usar um saca-rolhas e encher a taça da pesquisadora com uma questão mais amarga de engolir: os motivos de São Paulo não conseguir emplacar bons vinhos. A resposta veio bem azeda, algo parecido com o mosto…
A.B – O grande problema da região São Paulo é o fato de muitas vinícolas apenas engarrafarem vinhos vindos a granel do Rio Grande do Sul, ou trazerem uvas deste estado para a elaboração de vinhos, que com certeza não chegam sãs a São Paulo após mais de 24h de viagem.
Nesse ponto da entrevista, o E.S. não poderia deixar de fazer a relação de que os vinhos finos nacionais também perdem no consumo para os estrangeiros. Então pedimos a pesquisadora para que fizesse uma espécie de radiografia do que vem de terras estrangeiras e é consumido pelos poucos apreciadores de vinho. E novamente a surpresa, os franceses não são os preferidos.
A.B – Para responder esta questão gostaria de trazer dados de importação feitas pelo Brasil no ano de 2011. O país de onde o Brasil mais importou vinhos brancos e tintos foi o Chile (26,6 milhões de litros ano), seguido pela Argentina (16,7 milhões de litros ano), Itália (12,0 milhões de litros ano), Portugal (8,6 milhões de litros ano) e França (3,3 milhões de litros ano). Já com relação aos espumantes, o país importou principal importador desse tipo de vinho ao Brasil foi a França (1,8 milhões de litros ano), seguido pela Itália (1,1 milhões de litros ano), seguido pela Argentina (997,5 mil litros ano) e Portugal (883,6 mil litros ano).
Já embriagado pelo tema o E.S. viajou na entrevista para terras estrangeiras, mas se restringindo ao continente sul americano , questionou a pesquisador quem faria o melhor vinho por essas bandas. E ela brindou de maneira curta e elegante…
A.B. – Na minha opinião, os melhores tintos são produzidos na Argentina, os melhores brancos no Chile e os melhores espumantes no Brasil.
Bem, com este leque de informações o gargalo levou o E.S. a perguntar a especialista como “los Hermanos” conseguiram reagir e ultrapassar o então poderoso Chile, pelo menos neste quesito. Ela nem precisou pestanejar para responder…
A.B. – Ambas as regiões possuem clima bastante parecido, e em ambas as videiras são irrigadas com a água do degelo da cordilheira dos andes, o que diminui os custos e permite fornecer à videira somente a quantidade necessária de água, assim bastou a Argentina investir na uva que melhor se adapta a região, a Malbec para alcançar os resultados do Chile e chamar a atenção do mundo. Esta casta agrada ao paladar de diferentes nichos de consumidores, uma vez que produz bons vinhos roses, jovens, de colheita tardia e de guarda.
Diante deste quadro exposto pela especialista, o E.S. resolveu mergulhar no horizonte e sacar da garrafa da cadeia produtiva de vinho no Brasil e descobrir se existe esperança para o futuro. Mas, uma vez a pesquisadora nem molhou a garganta e já foi desencavando números…
A.B – É importante destacar que o Estado do Rio Grande do Sul detêm 90% do total de vinho produzido anualmente e o tipo de vinho mais produzido no Brasil é o vinho de mesa proveniente de uvas não viníferas, de variedades Americanas e ou, híbridas, que corresponde ainda a 80% do total de vinho produzido. E a produção e comercialização de vinhos de mesa no Brasil vêm mostrando-se estável nos últimos anos (2008 – 2011). Entretanto, em 2011 a produção de vinhos de mesa apresentou taxa de crescimento de 39% em comparação ao ano de 2010, que havia sofrido uma redução devido a fatores climáticos, destacando o aumento da produção de vinho finos de mesa (elaborados com variedades viníferas: Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah e etc), que foi em torno de 91%. Já a produção de espumantes e espumante moscatel apresenta-se em constante crescimento desde 2008; a exemplo do estado de Santa Catarina onde a produção de espumante em 2011 foi 4 vezes superior a produção do ano de 2008. A comercialização desses vinhos também vem aumentando a cada ano. Em 2011 foram comercializados 10 milhões de litros de vinho espumante, que corresponde a metade da quantidade de vinhos finos de mesa comercializado (20 milhões de litros), somando os tintos, brancos e roses.
Esses números apresentados pela pesquisadora ajudaram o E.S a questionar a razão pela qual o vinho espumante vem apresentando uma performance melhor. E aqui a especialista também se mostrou segura e não deixou a taça transbordar…
A.B. – No Brasil regiões, como Bento Gonçalves e arredores, vem se mostrando com condições de clima e solo excelentes para a produção de vinhos espumantes, além das modernas tecnologias que vem sendo empregadas pelas vinícolas brasileiras, a exemplo da Salton, Miolo wine group e Casa Valduga.
Já com um ”terroir” riquíssimo de informações sobre a cadeia produtiva do vinho em solo brasileiro, o E.S. resolveu explorar a pesquisadora com um vindima um pouco diferente: o vinho rosé. Mais uma vez a especialista surpreendeu e rapidamente sacou a rolha de sua garrafa de conhecimento do assunto…
A.B. – O vinho rosé seria uma boa opção em um país tropical como é o Brasil, principalmente para regiões como o Nordeste onde é quente o ano todo desestimulando o consumo de vinhos tintos, no entanto ele ainda é pouco conhecido no país. por outro lado gastronomicamente falando os vinhos rosé podem ser bem combinados com uma maior gama de pratos que os brancos, que são principalmente consumidos acompanhando pescados e frutos do mar. As vinícolas provavelmente produzem pouco por que a saída desse tipo de vinho é bem inferior a dos tintos e brancos. A produção e consumo de vinho espumante rosé é que vem aumentando nos últimos anos, pode ser que impulsione o consumo e produção do vinho rosé de mesa também.
Bem, após a entrevista bem fermentada, a recomendação do E. S. é que você abra uma garrafa de vinho de sua preferência, deixe decantar seus problemas e coloque o estresse de lado e brinde para que o panorama da produção de vinho no Brasil alcance as metas e possa colocar na mesa de todo brasileiro produtos de alta qualidade e com preços competitivos.
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