Uma das características mais marcantes nas cervejas modernas é o aroma, além das milhares de possibilidades em oferecer uma experiência sensorial ´única ao consumidor. Dito isso, precisamos falar sobre a importância que os terpenos – elemento que vem se tornando notável no meio cervejeiro – têm neste processo, quebrando inclusive as barreiras de estilos muito além das IPAs.
Terpenos são compostos concentrados, como óleos essenciais produzidos por vegetais, que dão nuances aromáticas únicas. O uso de cargas especiais de terpeno é feito, basicamente, para garantir uma identidade à cerveja e ressaltar as características aromáticas escolhidas para a receita que as vezes se perdem durante a feitura da bebida.
Para entender de modo simplificado como funcionam os terpenos, precisamos entender que não há planta igual à outra. Assim como ocorre com o vinho, cada lúpulo possui um terroir próprio porque o clima, o solo, as técnicas de cultivo e outros fenômenos imprimem uma química à planta – as chamadas “variedades”, que podem ter perfis cítricos, terrosos, condimentados, picantes, por exemplo. Um verdadeiro leque de aromas. Por isso, lúpulos de diferentes variedades são batizados com nomes mais do que criativos.
Do ponto de vista empírico, terpenos estão presentes em nossas vidas desde que nos entendemos por gente. O cheiro de uma grama recém cortada é derivado dos terpenos liberados no ar pela planta. A química dos terpenos começou a ser estudada pelo alemão Otto Wallach em 1889, que estabeleceu objetivamente as características e propriedades dos terpenos, as diferenciando e determinando suas estruturas químicas.
Há diferentes terpenos que explicam a presença de perfis em cada cerveja. Para as de trigo, ou aquelas que têm presença cítrica forte (limão, laranja, entre outros), o responsável é o terpeno Limoneno. O Mirceno é provavelmente um dos mais comuns, encontrado em frutas como manga e plantas como capim-limão e lúpulo. Então, se você encontrar uma cerveja com perfil folhoso e com leve sabor mentolado, é do Mirceno que estamos falando. O Beta-Cariofileno garante as notas apimentadas e amadeiradas à cerveja, e este terpeno – não por acaso – é encontrado em especiarias como cravo, manjericão, canela, entre outros. Entre o hall de terpenos presentes no lúpulo estão a Alpha Pineno, Alfa-Cariofileno e Linalol.
Cervejas que resultam de um blend de terpenos são igualmente comuns. A cervejaria Everbrew produz uma New England IPA com uma mistura de terpenos que reforçam o perfil cítrico e frutado, a Maine Berry Gelato. Limoneno e Beta-Cariofileno dominam esse blend.
A novidade é que os terpenos presentes na plantinha prima do lúpulo, a cannabis sativa, têm cada vez mais feito sua participação especial nas receitas cervejeiras. Terpenos de lúpulos remetem muitas vezes aos aromas presentes nos “strains” da maconha (que significa variedade, híbrido genético que resulta nos aromas da planta), e a possibilidade de unir as duas vertentes são atrativas para os cervejeiros que buscam bebidas fora da curva. Afinal de contas, há tanta variedade da cannabis quanto há de lúpulo.
Importante frisar: na produção cervejeira tupiniquim só são utilizados os strains, sem relação com outras substâncias da cannabis, como canabidiol (CBD) e tetra-hidrocanabinol (THC).
Devo sublinhar que países com relações mais flexíveis com uso de cannabis já possuem produção viva de cervejas com infusão de THC (substância psicoativa da cannabis), ou de CBD (uma substância que age mais no relaxamento e alívio da ansiedade, já usado no Brasil para fins medicinais). Como os Estados Unidos, onde há estados que permitem essa alquimia, são reflexo frequente de nossas incursões cervejeiras, nada mais natural do que perceber que essa tendência veio pra ficar.
Blueberry Kush, Sour Tsunami, Black Widow, são alguns dos nomes igualmente criativos para strains vindos da plantinha polêmica. O audacioso casamento entre os strains canábicos e os lúpulos era questão de tempo: além da já citada Everbrew Berry Gelato, provei recentemente a Green Wave – parceria entre a Cervejaria Dogma e a Squadafum -, uma Hazy Ipa com o strain Sour Tsunami que lembra frutas vermelhas. E, para atestar que essa onda promete invadir outros estilos do além-IPA, a Magic Cake (Russian Imperial Stout) da Mindubier ousou em adicionar os terpenos 24k e Berry Gelato para conferir um perfil cítrico, terroso e com um doce que lembra a baunilha.
Quer experimentar uma cerveja com terpeno? O mais provável é que você as encontre nas versões enlatadas ou em chope, por se tratar de um elemento volátil e que se dá melhor em uma cerveja viva. Não hesite, caso encontre alguma por aí. Aposto que vai ser uma onda sensorial que valerá a pena.
Saúde!
* Letícia Cruz Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.
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