Por Letícia Cruz*
Quando iniciei minha eterna curiosidade sobre cerveja, uma das máximas que mais ouvia e lia era a impossibilidade de cultivar lúpulo no Brasil. Como pode um país com dimensões continentais não produzir seu próprio lúpulo e depender da importação? Pois o tempo e a ousadia mostraram que isso não passava de mito. Ainda que engatinhando, o cultivo de lúpulo em solo brasileiro já quebrou algumas barreiras, como a adaptação para o clima subtropical, quando se acreditava que plantações só prosperavam em clima mais frio e com latitudes entre 35° e 55°, tal como nos Estados Unidos.
Ainda que países do hemisfério norte tenham a vantagem de possuírem larga escala de cultivo, o lúpulo brasileiro tem um trunfo que é a possibilidade de render mais de duas safras por ano, dependendo do local e condições. A planta não entra em dormência pela baixa temperatura, como ocorre em outros locais. Hoje, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), temos por volta de 152 produtores de lúpulo espalhados em estados da região Sul, Sudeste, e alguns locais no Centro-Oeste, como Brasília.
Mas o que é o lúpulo, afinal? Lúpulo é uma flor que cresce em trepadeiras que sobem até seis metros de altura. E o mais importante, é o insumo responsável pelo amargor e aroma na cerveja que tanto amamos. Dependendo do local onde cresce, pode ter características herbais, cítricas, florais, resinosas e até mesmo picantes (ainda vou explorar as variedades em outra oportunidade!). É essa flor incrível que determina a intensidade do amargor e aroma da cerveja. Como já abordei na coluna sobre India Pale Ales, o lúpulo tem propriedade antioxidante e antibiótica, e era bastante utilizado com fins medicinais.
O conceito de beber local nunca esteve tão perto da literalidade pois uma das grandes vantagens na consolidação do cultivo de lúpulo em terras tupiniquins é a possibilidade de consumir cervejas com ingredientes nacionais. O uso de lúpulo fresco na produção de cervejas leva a experiência sensorial a um outro patamar, uma vez que os lúpulos importados têm ao menos um ano de colheita. Em flores frescas, os óleos essenciais, alfa-ácidos e beta-ácidos (responsáveis pelo amargor e aroma) têm maior qualidade.
O florescimento do lúpulo brasileiro me leva a criar um paralelo com o cenário das microcervejarias ante a realidade da crise gerada pela pandemia. Mesmo com o clima adverso ao cultivo, a florzinha arretada persevera. Ainda sob um cenário de restrições criado pela covid-19 e muitas incertezas, a indústria cervejeira vive a buscar opções de sobrevivência.
Há um longo caminho de pesquisa e investimento até que o cultivo de lúpulo no país tome estabilidade e consiga fazer frente à demanda que o mercado cervejeiro nacional exige. Pela razão de ser uma cultura nova, produtores agrícolas ainda dependem da tentativa e erro no manejo da planta – que hoje, já se sabe, depende mais da exposição ao sol do que do clima frio e seco. Além disso, é necessário maquinário para almejar aumento da escala.
Apesar do cultivo ainda tímido, o lúpulo brasileiro já é ingrediente de cervejas artesanais há pelo menos três anos. A Lohn Bier lançou no ano passado uma Hop Lager feita somente de lúpulos cultivados no projeto Fazenda Santa Catarina, fomentado pela Ambev. Você ainda consegue experimentar uma nova edição do rótulo. Em 2019, com a colheita do lúpulo Mantiqueira na Fazenda Entre Vilas, em São Bento do Sapucaí (SP), três cervejarias foram convidadas a produzir cervejas de estilos diferentes utilizando o insumo, todas em colaboração com a Baden Baden. A Cervejaria Verace, de Belo Horizonte, lançou uma Dark Lager, a Cervejaria Three Monkeys (Rio de Janeiro) fez uma Pilsen e a Cervejaria Landel, de Campinas, lançou uma Coffee Sour.
No ano passado, uma American IPA foi produzida com lúpulos Comet e Cascade menos de 24 horas após serem colhidos. A iniciativa foi da Cervejaria Lunatic Brew, de Curitiba, com lúpulos frescos da Tamayo Hops de Brasília. Nesta terra, em se plantando, tudo dá!
Conhece alguma cerveja feita com lúpulos brasileiros? Fale aí nos comentários!
Saúde!
* Letícia Cruz Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! Criadora do @cervejopedia no Instagram.
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