Por Lalá Ruiz*
Meu avô paterno, João Ruiz, nasceu em Genalguacil, uma pequena cidade pertencente à província de Málaga, na ensolarada e festiva região da Andaluzia, na Espanha. É um dos 15 municípios localizados no chamado vale do Rio Genal, um parque de 485 quilômetros quadrados famoso pelos castanheiros, azinheiras e sobreiros.
O sobreiro é a árvore de cuja casca se extrai a cortiça para a fabricação das rolhas de vinho. Curiosamente, essa era uma das atividades a que a família do meu avô se dedicava antes de se espalhar por esse mundão para fugir dos conflitos nacionalistas que assolavam o país, no início do século passado, em busca de outras opções de vida.
Escrever sobre Genalguacil e a família Ruiz é sempre uma tentação, mas, por enquanto, convém voltar ao sobreiro e ao seu importante papel na indústria do vinho, mas que ao mesmo tempo suscita discussões quanto à sustentabilidade, principalmente devido ao ciclo produtivo da rolha de cortiça.
O sobreiro é uma árvore da família do carvalho que chega a 20 metros de altura e vive em média 150 anos, com possibilidade de até 12 extrações de cortiça ao longo da existência, respeitado-se o intervalo de nove anos entre elas para que a casca se regenere por completo.
A primeira retirada, porém, só pode ser feita se a árvore tiver, no mínimo, 25 anos. E mais: apenas a partir da terceira extração é que a cortiça alcança a espessura considerada ideal para a produção de rolhas. Basicamente, são três os tipos de rolhas extraídos da cortiça. A saber:
Além da Espanha, o sobreiro é encontrado na França, Itália, Argélia, Marrocos e Portugal, país que concentra 50% da produção mundial de cortiça e onde, desde 2011, a espécie é considerada a árvore nacional.
De acordo com informações da Associação Portuguesa de Cortiça (Apcor), uma tonelada de pranchas rende 67 mil rolhas, sendo que as do tipo maciça chegam a ser comercializadas a 2 euros a unidade.
Trabalhadores especializados nesse nicho estão entre os mais bem pagos do setor agrícola português, e chegam a receber entre 80 e 100 euros por dia trabalhado no período de extração da cortiça, que ocorre durante os meses do verão europeu.
O fato é que a produção da rolha é um processo longo – quem quiser conhecer todos os detalhes técnicos, a empresa Amorim Cork tem um conteúdo especial sobre o tema em seu site (leia aqui).
Também é fato que a indústria do vinho, principalmente no Novo Mundo, buscou alternativas mais baratas e ecológicas para fechar as garrafas, entre elas as rolhas sintéticas e as tampas de rosca. Para parte dos produtores, contudo, o não uso da rolha natural reflete diretamente na qualidade do vinho. Ou seja, é um assunto que rende muitas discussões.
Mas, afinal, quem descobriu que a rolha de cortiça serve para fechar garrafas de vinho?
Muitos creditam o fato a Dom Pérignon, ele mesmo, o monge inventor do champagne. O que não se discute é que a rolha surgiu no século 17, quando o vinho começou a ser armazenado em garrafas – até então, a bebida era consumida fresca.
EM TEMPO
Só queria contar pra vocês que a pequena grande Genalguacil, terra ancestral da família Ruiz, com seus castanheiros, azinheiras e sobreiros, passou a fazer parte da lista dos povoados mais bonitos da Espanha.
Conforme explicou a rede Los Pueblos más Bonitos de España, cujo objetivo principal é combater o despovoamento do interior do país, a escolha se deu “pelo cuidado com o seu patrimônio artístico e cultural, a harmonia do município, a limpeza e conservação das fachadas, bem como o cuidado dos espaços verdes, suas atividades culturais ou a atenção às tradições”.
Com pouco mais de 500 habitantes, Genalguacil encontrou um caminho maravilhoso para enfrentar a fuga de moradores: a arte. Desde 1994 a cidade realiza uma bienal de arte contemporânea e conta com obras das mais diversas espalhadas por suas ruas estreitas, ladeiras e mirantes. Hoje é considerada a única cidade-museu habitada do mundo.
A partir da inclusão na lista dos povoados mais bonitos do bonitos, Genalguacil passou a fazer parte de uma rede de eventos culturais, esportivos e gastronômicos, tudo registrado nas redes sociais do município.
Visitei Genalguacil em 2016. Foi uma experiência maravilhosa e inesquecível que conto aqui neste blog que guarda alguns dos textos que escrevi sobre viagens que fiz.
Crédito foto no alto: Vinzenz Lorenz M. por Pizabay
*Lalá Ruiz é jornalista formada pela PUC-Campinas. Trabalhou no extinto jornal Diário do Povo e no Correio Popular, ambos de Campinas (SP). Gosta de rock, blues, jazz, Clube da Esquina, pop latino, flamenco, literatura, televisão e cinema. É torcedora do Santos F.C. e criadora do IG @oassuntoevinho.
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