Nada melhor para começar um novo ano do que falar sobre férias. E o meu curto descanso, no mais belo estilo bateção de perna, foi entre copos e praias em um dos meus locais preferidos do mundo – o Rio de Janeiro. Ainda que num timing bem estranho, com o aumento repentino de casos de covid-19 por conta da Ômicron somado ao surto de Influenza, o que com certeza me fez ser bem mais cautelosa do que pensei que deveria ser semanas antes da minha decisão pela viagem.
Como rezaram diversos sambas históricos, tomar uma cerveja no ar do Rio eleva o sentido da palavra “boemia”. A cerveja deixa tudo mais colorido. Noel Rosa, o lendário sambista carioca, teria avisado anos atrás a um amigo numa mesa de bar quando questionado por sua bebedeira, segundo o livro “Hic!Storias: Os maiores porres da humanidade”, de Ulisses Tavares: “A cerveja gelada não me pode fazer mal, nem trazer minha tosse e minha febre de volta. Muito pelo contrário. O gelo, como sei que você também sabe, paralisa os micróbios. Congelados, os bichinhos sossegam. Como você vê, cerveja gelada é um santo remédio”. A ciência pode não concordar, mas continua sendo um argumento irresistível.
Não por acaso, eu uni o útil ao agradável. Há muito tempo sem explorar a cena fora de São Paulo por razões de pandemia, decidi mapear os pontos quintessenciais da cerveja artesanal para aproveitar o quanto pudesse por lá. Muito curiosa para provar algumas novidades apresentadas no festival Mondial de La Bière, que aconteceu em dezembro na Marina da Glória, resolvi apostar nas tap houses da região de Ipanema/Copacabana. O Delirium Café é, tanto em sua filial paulista quanto carioca, um local cheio de opções para quem quer explorar sabores e aromas. E sim, a Delirium é daquela famosa cervejaria belga com base em Bruxelas.
Foi no tap house da Rua Barão da Torre que optei por me abrigar numa tarde chuvosa. Antes de sentar na mesa, escolhi uma Session Black IPA com muita personalidade (a Filhote), lançada pela Cervejaria Latido Ale House no Mondial. Fiquei contente em saber que há cervejeiros que querem renovar as Black IPAs, subestilo que foi renegado nos últimos tempos por algum motivo que ainda não conheço. As próximas escolhas não foram lá tão fáceis: a Delirium conta com 20 torneiras com opções diversas, das sours às strong golden ales.
Experimentei duas NE IPAs com aromas que remetem à frutas cítricas: a “Sou feia, mas tô na moda”, da Way (7,8% de teor alcoólico) e a Antuerpia Vermont (esta, um tanto mais potente, com 8,1% de graduação de álcool e mais encorpada que a anterior). Em seguida avistei a também carioca Odin, com a sua Imperial IPA Viking (8,3% ABV). E, claro, não escapei de tomar a Delirium Tremens, uma Belgian Strong Ale servida em taça goblet, o carro-chefe da casa.
A Motim Hideout, na Rua Barata Ribeiro 247 em Copacabana, foi meu esconderijo por duas noites seguidas, o que me parece um bom sinal. Tap house no esquema self-service (um perigo!), o bar deixa ao critério do cliente qual das 12 torneiras puxar, no momento em que bem entender. Entre cervejas da casa, como a “18 do Forte” (IPA Rye 6% ABV) e a Hell de Janeiro (India Pale Lager, 5% ABV), também estão cervejarias convidadas como HopMundi e Bastards Brewery. A trilha sonora também é muito boa, do Grunge ao Glam Rock, com Bowie em sequências.
Não me surpreendi com a quantidade de bares em que o foco não é vender cerveja artesanal com a oferta das cervejas Colorado, da Ambev, que quebram muito o galho de quem quer sair do circuito dos litrões. Aliás, foi num quiosque do Bar do Urso, da Colorado, que esbarrei na primeira noite de viagem para tomar uns goles à beira da orla de Copacabana. E pasmem: o equivalente a um pint de Indica (a IPA da casa com adição de rapadura) custa por lá em torno de R$ 14. Utilidade pública: o quiosque fica quase em frente ao suntuoso Copacabana Palace que, por si só, é uma onda por toda sua história. Difícil não se maravilhar.
E a Colorado está presente desde uma lanchonete descompromissada na área portuária do Rio, na Praça Mauá (onde fui na intenção de visitar o centro e o Museu do Amanhã), até um bar descolado na Avenida Vieira Souto, em Ipanema – o Boteco Boa Praça, frequentado pelas figuras mais abastadas da região. A diferença do valor do chope, entretanto, não mudou nos dois locais.
Pessoalmente, já sabia que a tendência das growlerias (tap houses onde a intenção principal é encher os growlers e levar para casa) veio pra ficar, e a minha estada por terras fluminenses só confirmou essa teoria. Praticamente ao lado do hotel encontrei a Scape Cervejaria Artesanal, que fica no fundo de uma galeria repleta de opções interessantes (Rua Gomes Carneiro, 132, Ipanema). Entre as opções, estão Red Ales, Stouts, American IPAs, Witbiers, e minha predileta: a Maui, uma NE IPA com adição de trigo em vez de aveia. Nas geladeiras, você encontra opções já engarrafadas dos chopes, que me foram muito bem vindas nas noites no hotel.
Por último mas não menos importante, conheci finalmente a Hocus Pocus DNA, espaço que essa cervejaria mantém 11 torneiras no bairro de Botafogo. Escolhi não por acaso visitar o local no dia do meu retorno para casa, afinal tínhamos de matar o tempo até o aeroporto em algum lugar no meio da chuva, não?
Caso você se inspire em visitar estabelecimentos no RJ, tenha sempre em mão os comprovantes da vacina da covid-19, caso contrário não há conversa para entrar. E ainda bem que, tarada por vacinas como sou, estava mais do que preparada para gastar algumas horas e alguns dinheiros na Hocus Pocus. Fiz escolhas nostálgicas como a American IPA Interestellar (7% ABV), que nos foi servida pela primeira vez não-filtrada, reservando características mais frescas e genuínas da cerveja. Assim também foi com a APA Cadabra (5,2% ABV), em que os lúpulos Citra, Amarillo e Centennial brilham como nunca.
Mas fui além e mergulhei em novidades: a Neverending Story, que estreou também na Mondial no ano passado, é uma Imperial Sour com maracujá, manga e pêssego. Para quem também ama uma intensidade lupulada, a HP Prog #130 é uma Hazy Triple IPA de poderosos 9,3% de teor alcoólico que carrega os lúpulos Citra, Strata e Mosaic em cargas poderosas, mas mantendo uma suavidade incrível. Para acompanhar, uma porção de croquete de rabada que ficará na memória. Bem… só posso dizer que foi bastante doloroso olhar para o relógio e ver que a hora do voo estava próxima!
Redutos tradicionais do Rio
Meu arrependimento foi ter me restringido aos bares mais próximos de minha hospedagem na zona sul, pelo único motivo de ser uma viagem com criança pequena e que exige um cuidado maior na logística. Por isso, aproveito para enaltecer bares históricos do Rio em bairros como Tijuca, Centro e Vila Isabel, que já tive o prazer de frequentar em viagens anteriores. Clique aqui para conferir as dicas que o blog Viajali dá.
É nesse clima de relato pessoal que recomeço por aqui nesta coluna. Agora sim, o ano começou! Desejo aos leitores um ótimo 2022, e seguimos. A saga da cerveja no Rio está toda documentada lá no Instagram (@cervejopedia). Saúde!
* Letícia Cruz Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.
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