Para que a cerveja chegue ao seu copo, de primeira, é preciso entender que o trabalho de microorganismos em sua fermentação é essencial. E quando falo em microorganismos, leia-se fungos unicelulares chamados de leveduras. São elementos muito comuns no nosso dia a dia, responsáveis pelo sucesso da produção além da cerveja, do pão, como a Saccharomyces cerevisiae. Há uma levedura em especial que, quando aparece de modo desenfreado nas cervejas, é vista como contaminante pois altera a percepção sensorial original na bebida conferindo off-flavours indesejáveis – a Brettanomyces. Por outro lado, seu uso controlado pode elevar a cerveja a outro patamar.
Leveduras são tão importantes porque garantem que a cerveja tenha álcool e gás carbônico, por exemplo. Além disso, dá à cerveja características como aromas frutados ou dulçor, por conta da formação de ésteres. Esses microorganismos fazem com que exista a formação de espuma e até mesmo interferem no resultado da cor. Caso haja uma manipulação inadequada da levedura na produção, leveduras podem se tornar um problema, deixando um gosto ruim na cerveja. E, como via de regra, são utilizadas leveduras de baixa fermentação, feita em baixas temperaturas (Lager) e de alta fermentação, em altas temperaturas (Ale).
Estrela da coluna da semana, a Brettanomyces pode ser classificada como uma levedura mais selvagem. O primeiro registro da cepa ocorreu em 1904, em uma cervejaria dinamarquesa chamada Carlsberg. À época, cervejeiros estavam notando a deterioração de cervejas inglesas produzidas por lá, e daí vem seu nome, que significa “fungo britânico”. As cepas derivadas dessa levedura trazem um aroma mais funky, de estábulo, curral, aromas animais etc por conta de sua associação com fenóis voláteis e ácidos graxos, o que em certos casos não são nada agradáveis ao olfato.
No entanto, os cervejeiros encontraram uma forma de dominar a levedura e usá-las ao seu favor. A Brettanomyces quebra açúcares que leveduras lager e ale não conseguem, resultando em um final seco. Tudo depende do processo e do envelhecimento da cerveja com fermentação e refermentação com a levedura em questão, e suas características principais vão aparecendo com o tempo. Quanto mais jovem a cerveja com Brettanomyces for, menos nuances selvagens terá. Por isso, é comum que as Brett beers sejam envelhecidas e tenham potencial de guarda, como as cervejas belgas e as que têm fermentação espontânea (feita em tonéis abertos, sem controle de fermentação), como as Lambics, Gueuze e afins.
Graças à ousadia de alguns mestres cervejeiros, a levedura tem alçado voos por outros estilos. Vou exemplificar o quão rica é a oferta de Brett beers falando somente de rótulos nacionais por aqui. A cervejaria 3 Orelhas, de Gonçalves (MG), produziu uma Saison fermentada exclusivamente com a cepa – a Brettopia. A cerveja foi envelhecida em barrica de carvalho, com adição de goiaba e cupuaçu, conferindo uma leve acidez e aroma frutado e amadeirado, aliando-se ao final seco próprio da Brettanomyces.
Quem pensa que as IPAs passariam impunes, se engana: há um sub estilo chamado Brett IPA que, quando combinado com o lúpulo mais adequado às nuances marcantes da Brettanomyces, pode entregar degustações fora da curva. É o caso da Funky IPA, da Cervejaria Zalaz, que passa por refermentação com culturas de flores e dry hopping com lúpulo El Dorado. Uma colaboração entre a Cervejaria Fermi e Escafandrista foi além com o rótulo “Space And Time”, uma Brett New England IPA fermentada exclusivamente com as leveduras selvagens, combinando lúpulos Motueka, Galaxy, Idaho 7 e Citra.
Já experimentou alguma cerveja fermentada com essa levedura? Me conta nos comentários!
* Letícia Cruz Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.
No Replies to "Brett beers: as cervejas fermentadas com leveduras Brettanomyces"