O relacionamento das religiões com a comida é estreito e intenso nas mais diversas crenças. Inúmeras vezes a Bíblia Sagrada faz alusão à alimentação tanto de forma simbólica – como na expressão “uma terra onde mana leite e mel” ao referir-se à terra prometida dos hebreus – como quando fala dos rituais de sacrifício dos animais e das proibições de ingestão de um ou outro alimento, por ser ele considerado impuro.
Por este motivo, a gastronomia também é responsável por revelar preceitos, práticas e preferências religiosas. Os autores Flandrin e Montanari (1) consideram que os regulamentos de diferentes crenças e culturas religiosas relacionados à mesa são ditados pela vontade de reafirmar e de manifestar as identidades culturais.
Nesse processo, o alimento pode ser percebido como um intermediário real – e não apenas metafórico ou simbólico – que permite incorporar as qualidades e os valores que seria materialmente capaz de transmitir. É por isso que é considerado estreito o relacionamento das religiões com a comida.
Mais um exemplo. No estudo Comida e sociedade: significados sociais na história da alimentação, Carneiro argumenta que a identidade religiosa é, muitas vezes, uma identidade alimentar. “Ser judeu ou muçulmano, por exemplo, implica, entre outras regras, não comer carne de porco. Ser hinduísta é ser vegetariano. O cristianismo ordena sua cerimônia mais sagrada e mais característica em torno da ingestão do pão e do vinho, como corpo e sangue divinos. A própria origem da explicação judaico-cristã para a queda de Adão e Eva é a sua rebeldia em seguir um preceito religioso: não comer do fruto proibido”, diz o autor (2).
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Outras crenças
Importante destacar que as religiões provenientes de matrizes africanas não são diferentes das demais. No Candomblé, por exemplo, o papel da alimentação é essencial, formando uma de suas bases teológicas. A comida representa uma das principais ligações entre homens e deuses, por meio das oferendas de alimentos e sacrifícios.
Nesta crença, cada Orixá possui, além de suas preferências, os alimentos que não gosta e isto impede a sua oferenda e restringe o seu consumo. “Um membro do Candomblé tem sua alimentação diferenciada de acordo com o período da vida religiosa que está passando e o Orixá de quem é filho, o que determina coisas que ele não pode comer.” explica Nadalini em seu estudo sobre essa religião (3). A comida preferida de Iansã, por exemplo, é o acarajé, portanto, a iguaria é obrigatória entre seus seguidores.
Os hindus, por sua vez, não comem carne de animais, pois acreditam que na hora do abatimento o animal carregou consigo mágoas, rancores, ódio e todos esses sentimentos.
O ato de não alimentar-se
As religiões não ditam apenas o que comer, mas também quando as pessoas não devem alimentar-se. O jejum está presente em diversas crenças, sendo que, em muitas delas, os seguidores ainda permanecem fiéis aos calendários religiosos.
Os muçulmanos, por exemplo, ainda praticam o jejum durante o ramadã, mês sagrado dos islamitas. Para os judeus, o Yom Kippur, conhecido como o Dia do Perdão, é a data judaica mais importante, pois está relacionado com a purificação do espírito por meio de um jejum, cuja duração é de 25 horas. De acordo com a filosofia do Budismo, o jejum é uma prática comum ocorrendo no dia da oração, quando os seus adeptos não ingerem nenhum tipo de carne e rezam com intensidade.
No catolicismo ainda há quem jejue, mas a prática era realmente rigorosa na Idade Média durante, principalmente, as datas litúrgicas, como a Semana Santa. Na quaresma, por exemplo, a abstinência começava pela carne, o mais apreciado dos alimentos.
Segundo as autoras do livro Gastronomia no Brasil e no Mundo, Dolores Freixa e Guta Chaves, nessas ocasiões comia-se peixe, um hábito adotado menos por preferência e mais por questões religiosas. “O peixe, aliás, era considerado na época, menos nutritivo do que a carne vermelha. Os mais apreciados eram o salmão, a truta, o bacalhau, o esturjão e o arenque. Também se substituía a carne por queijo, frutas secas e ovos, e a gordura era substituída por óleo de oliva”.
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>>> Gastronomia Judaica: um tempo de comer, outro de jejuar
Referências Bibliográficas
(1) Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari. História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
(2) Henrique S. Carneiro, Comida e sociedade: significados sociais na história da alimentação. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p.71-80, 2005. Editora UFPR.
(3) Ana Paula Nadalini. “O nosso missal é um grande cardápio”: Candomblé e alimentação em Curitiba. Revista Angelus Novus – nº 3 – maio de 2012.
(4)Dolores Freixa e Guta Chaves. Gastronomia no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009.
Por Érika Soares
7 Replies to "Comida e religião: um estreito relacionamento"
Comidas, tradição e religião | Rodízio de Pimenta 16 de agosto de 2013 (00:59)
[…] http://campinasentresabores.wordpress.com/2013/01/10/comida-e-religiao-um-estreito-relacionamento/ […]
Gastronomia judaica: um tempo de comer, outro de jejuar | Entre Sabores 12 de setembro de 2013 (10:46)
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maria carmo doria 19 de abril de 2015 (06:53)
Bom dia ,gostaria de saber como fazer um esquema deste texto
Campinas Entre Sabores 19 de abril de 2015 (12:44)
Olá Maria! Explique melhor. Do que você precisa?
Alicia 21 de outubro de 2016 (12:52)
Bom tarde esse texto foi muito bem explicado para minha materia da escola
Religiosidade | Blog do Dirceu Alberto 7 de novembro de 2017 (20:30)
[…] são próprias e o descontentamento da divindade com ingestão de certos alimentos é flagrante. https://campinasentresabores.com.br/2013/01/10/comida-e-religiao-um-estreito-relacionamento/ E existe também a questão do jejum, a não alimentação, como prática religiosa sem esquecer, […]
Natália 17 de agosto de 2022 (23:20)
Texto que se expressa bem da pra entender direitinho