Cora Coralina: doceira e poeta

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“Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute benfeito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.”
No trecho da poesia “Todas as Vidas”, a folclórica poetisa Cora Coralina – pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas – revela uma de suas marcas, a gastronomia. Mas os versos não contam qual o seu viés mais forte nesta arte que nasce de panelas e tachos: a de doceira.
Fazer e vender doces cristalizados, glaçados, ou feitos em calda, que ela considerava melhores que sua poesia, foram a forma de subsistência de sua família por quase 15 anos (a partir do final dos anos 1950, quando enviuvou ainda nova e retornou à sua terra natal em Goiás, que tinha deixado por mais de 40 anos).
Ficaram famosos os de laranja, figo, banana, mamão verde, goiaba, cidra, abóbora, de batata com leite de coco. Todos feitos em tacho de cobre autêntico do Goiás. Eram vendidos em caixinhas de madeira forradas com papéis recortados e embrulhadas para presente com laços de fita.
Mesmo depois de reconhecida como escritora, Cora Coralina nunca deixou de se reconhecer doceira. “Não sou uma ex-doceira, sou uma doceira e considero melhores meus doces do que meus versos. Sou poeta por acaso e doceira por convicção e necessidade. Minhas mãos doceiras… Jamais ociosas. Fecundas, imensas e ocupadas. Mãos laboriosas. Abertas sempre para dar, ajudar e abençoar”, conta em sua obra Meu livro de Cordel. (Global, 1994).
Foclórica sim!
Porque falar sobre Cora Coralina agora? Porque 22 de agosto, é o dia do folclore, e dois dias antes, foi celebrado os 130 anos de seu nascimento.
Segundo a historiadora Andréa Ferreira Delgado, ela foi transformada em mulher-monumento pelo seu ofício de doceira. “A produção de doces a partir das frutas do cerrado, registrada pelos viajantes que percorreram Goiás no início do século XIX, certamente era costume tradicional das famílias goianas e também alternativa para muitas mulheres, que sustentavam a família com a fabricação de doces e quitutes (“quitandas”) vendidas nos tabuleiros ou sob encomenda. No entanto, foi a poeta-doceira que associou esta atividade ao turismo, transformando o doce de frutas em souvenir da Cidade de Goiás”, revela em seu artigo Cora Coralina: a poética do sabor, publicado em Ilha: Revista de Antropologia (julho/2002).
Aliás, esse artigo revela muito mais sobre a poeta-doceira, ou doceira-poeta, como o leitor aqui preferir. Mas independente disso, algumas questões se sobressaem na história desta figura. Como não considerar folclórica uma mulher, nascida no século XIX, que estudou só até a terceira série do curso primário, mas mesmo assim passou a vida a escrever lindamente como hobby, a ponto de chamar a atenção de Carlos Drummond de Andrade?
Como não admirar uma mulher, que conseguiu sustentar seus seis filhos sozinha, em tempos bicudos para o sexo feminino, usando sua gastronomia, que vinha acompanhada de sua outra arte, a literatura?
Como não ser folclórica, uma poetisa, que apesar de ter passado a vida escrevendo, só conseguiu publicar seu primeiro livro – “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais” – aos 75 anos de idade? E depois disso, receber prêmios que qualquer escritor almeja na vida: Troféu Jaburu do Conselho de Cultura do Estado de Goiás, o título Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás e o “Prêmio Juca Pato” da União Brasileira dos Escritores como intelectual do ano de 1983.
Admirável trajetória, admirável trabalho. Que pena não ter provado de seus doces.
Érika Soares
Foto: Reprodução da Internet

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