Gose: o milenar estilo da cerveja levemente salgada

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Lá vai um fato tão inusitado quanto irrefutável: cerveja e sal dão sim um samba, embora dependa muito do gosto individual e da disposição em encarar o novo. São muitos os exemplos que, à primeira vista, parecem um tanto estranhos, mas depois de degustados são surpreendentes. Um deles é uma bela Rauchbier (aquela cerveja com maltes defumados que foi tema de estreia da coluna) que leva feijão e sal na receita, a Feijoada (rótulo colaborativo entre Invicta, 2Cabeças e Urbana). E saiba que há uma cerveja milenar de origem alemã que une o salgado e ácido, o estilo Gose. Um estilo que divide opiniões, mas que vale certamente o gole.

A Gose (pronúncia goh-zeh) é uma cerveja de trigo clara, não-filtrada, bem carbonatada, bastante ácida, levemente salgada, de baixíssimo amargor, e com caráter condimentado, geralmente com presença de coentro e outros complementos, assemelhando-se a uma Witbier. Na boca, produz uma sensação inesperada ao primeiro gole, com uma acidez viva e refrescante aliada ao uso restrito de sal que dá uma sensação de água na boca, caso ele seja mais perceptível. Seu aroma pode remeter à maresia, limões, frescor de coentro e massa de pão, em razão das leveduras. Não há traços de lúpulo, e o teor alcoolico varia entre 3,5% a 4,5%.

Na antiguidade, o método de fermentação utilizado era espontâneo – assim como as Lambics, que fermentam com os microorganismos do ambiente em tonéis abertos – o que conferia à Gose uma acidez bem mais acentuada do que é atualmente. Hoje é possível chegar a um resultado similar com o uso de leveduras de alta fermentação e lactobacilos.

Mas como a cerveja fica salgada, afinal? A resposta é que sim, vai sal na receita – mais especificamente sal marinho ou fresco, sem metais ou iodo e em quantidade restrita. Seus outros ingredientes comuns são o malte de trigo (mais de 50%) e malte Pilsner, sementes de coentro, especiarias e leveduras.

Esta cerveja surgiu durante a Idade Média na região da cidade de Goslar, centro-norte da Alemanha, onde passa o rio que batizou o estilo. A água do rio era rico em minerais que a deixava salgada e, consequentemente, as cervejas produzidas por lá ficavam levemente salgadas também. À medida que as reservas minerais do polo cervejeiro ficaram mais escassas, a produção migrou para a cidade de Leipzig. De acordo com o Beer Judge Certification Program (BJCP), a fabricação do estilo diminuiu muito após a Segunda Guerra Mundial e cessou durante os anos 1960.

Para a nossa sorte, houve uma retomada na produção a partir dos anos 1980 após a reunificação alemã e o crescente interesse dos cervejeiros norteamericanos em dar um novo gás à cerveja. A Gose vem ganhando notoriedade ao longo dos anos com o maior interesse do público com as Sours, cervejas mais azedas e ácidas.

Garrafa da tradicional alemã Bahnhof Leipziger Gose

Sempre indico a quem prova uma cerveja diferente da habitual pela primeira vez que prefira as tradicionais para ter como parâmetro. A americana Anderson Valley Gose, uma cerveja dourada, bem cítrica, leve e levemente salgada, e as tradicionais alemãs Bayerisch Bahnhof Leipziger Gose e Döllnitzer Ritterguts Gose (haja nome difícil!) são ótimos caminhos para tomar, literalmente. Os copos indicados para servir uma Gose são os do tipo Stange, Weizen ou Goblet.

Entre referências e rótulos nacionais

Apesar de abocanhar essa fatia do público que ama as cervejas que arrepiam a pele, a Gose ainda tem perfil de lado B – mas a produção da cerveja aqui no país vem ganhando certo fôlego. A brasiliense Cruls ousou em adicionar tomate e alecrim à receita para criar uma Gose de sabores tão lógicos quanto inusitados. O rótulo levou dois bronzes na Copa Cerveja Brasil em 2018 e 2019 ganhou ouro na Indie Beer Cup no ano passado.

A cervejaria Vintage, de Porto Alegre (RS) tem sua versão do estilo, também premiada no Festival de Blumenau em 2020, a Brasilis. Nesse caso, a cerveja complexa se une à acidez de frutas tropicais como abacaxi e manga. Já outro exemplar privilegia os aromas herbais e cítricos: a Louvada Lager Gose, da Cervejaria Louvada, que leva raspas de limão para potencializar o aroma. Outra medalhista com o bronze em Blumenau neste ano.

Saúde!

* Letícia Cruz 
Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! 
Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.

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