Cerveja: De Nassau e Dom João VI à paixão nacional

There is nothing to show here!
Slider with alias none not found.

Aqui vai um fato: ainda que seja paixão nacional, a cerveja não foi criada por aqui e muito menos foi um sucesso espontâneo entre os brasileiros. O que, claro, não ofusca a história dessa bebida entre nós! Eu, uma curiosa sobre o enredo das coisas, não poderia deixar de fazer jus ao nome da coluna num breve histórico de quando a cerveja desembarcou no Brasil. E, prepare-se: esse é um papo que envolve muitos dos personagens que estudamos nos livros de história.

Os primeiros registros da existência de bebidas fermentadas à base de cereais datam da época dos sumérios, povo que habitou na antiguidade a região da Mesopotâmia, local onde hoje fica o Iraque. Desde então, fazendo um resumo curto e grosso, tomou um longo rumo de aderência às culturas milênio a milênio. Ganhou tal relevância que na era faraônica no Egito adotava-se um controle rigoroso da qualidade da bebida, que foi se aperfeiçoando com o tempo. O lúpulo, então, só passou a ser usado na baixa Idade Média (por volta dos anos 700), quando as cervejas começaram a ser produzidas por monges.

Dirck Dicx, o holandês responsável pela fabricação da primeira cerveja no país, segundo registros

Mas quando, então, a cerveja chegou ao nosso país? Segundo historiadores, o líquido sagrado teria aportado junto do conde holandês Maurício de Nassau, governador da colônia neerlandesa no Recife, por volta de 1637, e frequenta há quase quatro séculos essas terras. A primeira cervejaria do Brasil, a La Fontaine, teria sido criada pelo cervejeiro holandês Dirck Dicx, que veio para Recife junto de Nassau trazendo toda a parafernália para a produção e a instalou na casa do próprio. Alguns dizem que esta foi a primeira cervejaria da América, fato este que não pode ser comprovado.

A cerveja produzida pela La Fontaine era encorpada, feita com a cevada e adição de açúcar – este produto que fora essencial ao ciclo econômico da época, e diretamente ligado às invasões holandesas por conta do comércio europeu. A realidade, porém, era que o brasileiro estava mais afim da cachaça do que em qualquer outra novidade etílica nos meados do século 17.

Outro grande empecilho para a popularização da cerveja naquele momento foi o estímulo (ou pressão?) dos portugueses para a venda de vinho lusitano, o que certamente ofuscou o brilho das cervejas. A popularidade da bebida só teria ganhado força tempos depois, no século 19, quando houve um incentivo às exportações e importações durante o governo de outro nome que conhecemos bem: o rei Dom João VI. Ele privilegiou os contratos comerciais com a Inglaterra (e mais tarde Alemanha) e, com isso, litros e litros de cerveja desembarcaram pelos portos brasileiros durante esse período, caindo no gosto popular e competindo com a cachaça e o vinho. Sem dúvidas, o período Joanino foi um dos grandes responsáveis pela inserção da bebida no país.

Lá vai um fato curioso: quando a família real portuguesa fugiu para o Brasil após a invasão de Napoleão Bonaparte, o então príncipe-regente Dom João VI – famoso por seu apetite por frangos – levou em sua bagagem diversos produtos e alimentos de origem vegetal e animal com o objetivo de manter seu padrão de consumo no novo país, entre eles insumos cervejeiros.

A predileção pública da cerveja britânica começou a perder espaço em meados de 1800, com o crescimento das fábricas de cerveja com imigrantes alemães e, consequentemente, a adoção de receitas de cervejas mais claras e suaves, que caíam mais no paladar do brasileiro. E esse é um provável início do romance dos brasileiros com as lagers. Ao contrário das britânicas que chegavam em barris, as cervejas alemãs adotavam as práticas garrafas. Algumas rolhas de cervejas feitas de modo rudimentar tinham de ser amarradas com barbante por conta da pressão na garrafa. As tampas de metal só entraram em cena em 1891.

Outra particularidade é a dificuldade que existia naqueles tempos em refrigerar bebidas e alimentos. Então, tomar cerveja gelada era coisa para a nobreza.

Anúncio da Imperial Fábrica de Cerveja Nacional, na época do império

Cerveja na linha de produção

Como falei, a imigração foi uma das grandes responsáveis pelo crescimento das cervejarias artesanais no país. A atividade começou como algo familiar, com cada família aplicando seus conhecimentos para produzir cerveja entre si – e as mulheres tinham o papel fundamental na produção por cuidarem do serviço doméstico. Posteriormente, a atividade foi ganhando caráter econômico. No Rio Grande do Sul, onde há grande colônia alemã, a grande pioneira foi a Cervejaria Ritter, fundada em 1846 em Nova Petrópolis. Por volta dos 1878, uma concorrente, a Christoffel, já possuía fábrica e batia o milhão em produção, de acordo com o Larousse da Cerveja.

Foi no início do século 20 que várias da marcas de cerveja comerciais que conhecemos surgiram. A Brahma, fundada pelo suíço Joseph Villiger em 1888, se chamava Manufatura de Cerveja Brahma Villiger & Companhia e começou com 32 funcionários, usando sempre a receita de Pilsen como marca registrada. Já a Antartica começou como uma fábrica de gelo em 1882 em São Paulo, e passou a fabricar cerveja três anos depois, tornando-se outra cerveja conhecida até hoje.

Sabemos que os rumos que a cerveja tomou por aqui, com a adoção de adjuntos que comprometem a qualidade da bebida. E esse é um papo tão controverso que rende um outro texto…

Já sabia sobre a trajetória da cerveja nacional? Comente aí!

* Letícia Cruz 
Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! 
Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.

No Replies to "Cerveja: De Nassau e Dom João VI à paixão nacional"

    Leave a reply

    Your email address will not be published.