Retomando o protagonismo: a mulher é mãe da cerveja

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De acordo com o último e bastante desatualizado Censo, realizado em 2010, as mulheres já representavam 51% da população brasileira. É justo então que esta parcela tenha conquistado também uma maior liberdade para destruir tabus – um deles, de que cerveja é coisa de homem. Nada mais equivocado, visto que foram as mulheres que há muito tempo (estipula-se que 4 mil anos antes de Cristo na Suméria e Mesopotâmia) começaram a colher grãos e misturá-los com água. E o resto é história.

Pesquisa realizada pela Kantar na última edição do Consumer Insights revela que mulheres na faixa etária de 40 a 49 anos pertencentes às classes A e B foram responsáveis por uma alta de 27% no consumo durante o terceiro trimestre do ano passado, em comparação ao mesmo período em 2019. A avaliação da Kantar é de que o momento de flexibilização na pandemia encorajou estas mulheres a consumirem mais cerveja também em lugares públicos (de 14,5% para 21,2%). O fenômeno ocorreu em regiões como o Nordeste e Sul, e em São Paulo e Rio de Janeiro.

Há o que se comemorar com os números, mas também precisamos espalhar o quanto a cultura cervejeira deve às mulheres.

Em tempos em que as mulheres eram as responsáveis pelo trabalho doméstico na antiguidade (pensamento este que ainda vem mudando há passos pequenos…), a preparação dos alimentos e bebidas ficava por conta delas – e isso incluía a produção da cerveja, que naquele tempo era considerado um alimento divino. Não era pra menos: sem o conhecimento a respeito das leveduras, os povos antigos atribuíam a transformação dos cereais e da água em álcool aos deuses. Ou melhor: às deusas.

Na mitologia romana, a deusa Ceres era a responsável pela fertilidade e das plantas que brotam, da agricultura. Ninkasi, a deusa suméria da cerveja, protegia a produção da cerveja e tinha até mesmo um hino dedicado à ela. No antigo Egito, venerava-se a deusa Tenenit, nome derivado de “tenemu”, uma das nomenclaturas para cerveja. A divindade se dedicava a proteção dos produtores dos insumos para a cerveja.

Todas tinham um paralelo em comum: eram consideradas deusas do amor e maternidade. As cervejas produzidas pelas mulheres, resultado da transformação dos cereais em alimento, eram consideradas sagradas – e as mulheres muitas das vezes reverenciadas por seu feito (chamadas de Sabtiem). Essa cultura se espalhou aos quatro cantos, e até mesmo os Vikings adotavam este modo de produção.

Em meados dos anos 1000 d.C., as mulheres alemãs jovens e solteiras eram encorajadas a irem para conventos para se aprimorarem quanto às ciências, à botânica e até mesmo na produção cervejeira. Hildegarda de Bingen (1098-1179), canonizada em 2010, foi uma figura muito antes de seu tempo e contribuiu muito para a cerveja da maneira que conhecemos hoje. A monja alemã estudava plantas e suas finalidades medicinais e durante suas pesquisas concluiu que o lúpulo possui propriedades conservantes para a cerveja, e também imprimia aromas e sabores interessantes. Dá para imaginar cerveja sem lúpulo hoje em dia? O estudo foi publicado no livro Physica (clique aqui para conferir um resgate da obra).

O feminismo, que pregou e continua a pregar a liberdade dos corpos, também questionou: “por que mulheres não podem tomar o que quiserem?”

Ainda que basicamente tudo na cerveja grite o feminino, os homens tomaram o protagonismo com o aumento na escala de produção e o surgimento das grandes colheitas, deixando as cervejeiras em segundo plano. As revoluções ao longo do tempo deram à cerveja um caráter de recompensa ao trabalho pesado dos homens, ou prêmio aqueles que iam à guerra. No século 17, as cervejeiras eram acusadas até mesmo de bruxaria, sob o risco de prisão e execução pública. Nos tempos mais modernos, as mulheres que permaneciam em casa cuidando de suas famílias ganharam ar submisso e um tratamento duvidoso nas publicidades.

Um dos muitos exemplos de publicidade de gosto duvidoso relacionada à cerveja nos anos 1950, da cerveja Schlitz.

Quem consegue lembrar de pelo menos uma dúzia de comerciais em que as mulheres aparecem sexualizadas com garrafas e copos nas mãos, enquanto um grupo só de homens confraternizam nas mesas de bar? Eu lembro de várias! Mas, graças à deusas, o machismo na propaganda vem caindo por terra nos últimos tempos.

O movimento para o empoderamento feminino vem desmantelando a ideia muito equivocada de que há territórios que mulheres não podem pisar. Hoje é bastante comum encontrar confrarias só de mulheres, ou até mesmo mestres-cervejeiras mulheres e donas de cervejarias mundo afora. O consumo de cerveja por mulheres é uma simples retomada de algo que era historicamente um costume e foi revestido através dos anos de tabu.

Cerveja é coisa de mulher, sim. Neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, considere presentear com uma bela de uma cerveja. Saúde!

* Letícia Cruz 
Uma jornalista curiosa pelo mundo das cervejas compartilhando suas descobertas. Entusiasta da cerveja viva e local. Apaixonada pelos lúpulos! 
Criadora do @cervejopedia no Instagram e da loja @cervejopedia.beershop, que fica em Santana, capital paulista.

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